segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Vamos Salvar o Museu

O Museu Nacional do Automóvel está sendo despejado por ação proposta pelo Ministério dos Transportes. O Ministério que utilizar o espaço para transferir do Rio de Janeiro o arquivo morto da extinta Rede Ferroviária Federal, mas isto não afeta o bom humor do Curador Roberto Nasser: “- Arquivo morto de órgão extinto? Isto equivale à carta anônima para o soldado desconhecido ... Falando sério, sem entrar no mérito sobre as ações do Ministério dos Transportes, mais afeito às páginas policiais que aos assuntos da Cultura, eu vejo como inexplicável ao público fechar um equipamento socialmente útil para abrigar papéis que deveriam estar perto ao público de seu interesse, que é a capital carioca. Também me parece injustificável como brasileiro pagador de impostos é que, cercados de notícias sobre obras de estrutura e atrativos para a Copa do Mundo, o Museu, instrumento cultural e equipamento turístico que nada custou aos cofres do GDF ou do governo federal, seja fechado. Tenho certeza, alguma autoridade de bom senso tomará conhecimento da impropriedade e botará ordem nesta questão. “

O Museu Nacional do Automóvel em Brasília. A hora da coragem

Peculiar, particular embora integrando o Cadastro Nacional de Museus, o Museu Nacional do Automóvel, Brasília, é a expressão da coragem. Escapa aos rótulos convencionais: não é público; não tem prédio suntuoso; não dispõe de ampla relação de funcionários; e, também, não é um galpão atulhado com carros de colecionadores sem garagem, pomposamente chamado Museu. É um Museu, com preocupação didática, informativa, para explicar aos seus visitantes a importância do automóvel no desenvolvimento brasileiro, e ilustrar com veículos, textos, peças, acessórios, literatura, as referências das histórias que ali relembra e conta.
O Museu Nacional do Automóvel, iniciativa da Fundação Memória dos Transportes, entidade privada sem fins lucrativos, reconhecida de Utilidade Pública Federal, foi implantado em Brasília para preservar estes veículos, documentos, história e conquistas da indústria automobilística no Brasil – o que significa salvar a memória da criação da Companhia Siderúrgica Nacional, da Petrobrás, da Fábrica Nacional de Motores, e da indústria de autopeças, marcos da industrialização no país. Supre uma lacuna.

E é atrevido, resume o curador Roberto Nasser.
Colecionador de poucos veículos, interessado em história da indústria automobilística, com o entusiasmo dos que foram para Brasília em seus primeiros anos e acompanharam o desenvolvimento do país, Nasser entendeu haver necessidade de mudar a óptica do colecionar no Brasil, atividade usualmente restrita a agrupar veículos em galpões ou garagens que têm em comum ser inacessíveis ao grande público.
Conhecia o negócio. Ajudara a criar o Veteran Car Clube em Brasília, fora seu presidente, repetira o feito com a Federação Brasileira de Veículos Antigos, previra a expansão do movimento antigomobilista ao propor tornar colecionáveis os veículos nacionais, conseguira inscrever a atividade no Dicionário Houaiss. Percebia, no dia a dia, o distanciamento entre os colecionadores, uns mecenas a preservar a história, e o público que desconhecia os veículos preservados.
Lembra, o automóvel nacional foi a grande alavanca de tecnologia e indutor econômico do crescimento, fazendo referencia entre o pós-IIGuerra, quando o país importava até lâminas de barbear, e a migração da tecnologia dos automóveis aqui iniciados a construir em 1958, para os demais ramos da indústria, especialmente a de autopeças e linha branca.

E faltava contar esta história. Explica, guardar Cadillacs ou Rolls-Royces é importante, entretanto muito mais o é conservar o Jeep Willys que amanhou a terra deste país; que foi carro do vizinho ou da família e nos traz lembranças positivas, ao contrário dos importados, sem ligações com nossa história.
O rumo do Museu do Automóvel, em Brasília, é este. Juntar veículos de colecionadores locais ou de outros estados; criar eventos temáticos para contar histórias, mostrar relações, situá-las em cenários, exibir os veículos como parte de um momento histórico, social, econômico, tecnológico. Se as pessoas entenderem que o automóvel é mais que um amontoado de ferros, vidros e plásticos, o Museu se justifica. O temor do Curador do Museu é prático: “Somos a última geração que dá valor e tem interesse nos veículos por sua individualidade, forma de construção, pelo DNA das marcas. Daqui para frente, com o processo de acanalhamento que as montadoras vem aplicando aos seus produtos, todos se tornam iguais, difíceis de distinguir, pasteurizados, diferenciando-se apenas pelo frisinho central da grade, pela maçaneta do porta-malas, ou detalhinhos. Na prática são iguais.“
Segundo entende, o desinteresse pelos veículos, o tratá-los com o sem noção de um novo TV ou refrigerador mostrará aos fabricantes a desnecessidade de investir em produtos diferenciados. Aí, dentro de pouco tempo, motores e transmissões serão iguais em marcas diferentes, e a essência do automóvel como reflexo de escolha pessoal terá acabado.
O automóvel brasileiro, na visão do administrador do Museu, deve ser visto como um dos eventos que mudou o país e auxiliou no desenvolvimento da tecnologia. Melhor exemplo, informa, é o processo de transformação aplicado aos primeiros veículos trazidos dos EUA e da Europa para ser produzidos aqui. Inadequados, fracos, sem resistência para as dificuldades brasileiras, foram corrigidos, melhorados, tornados melhores que os produtos na origem. Décadas depois a expertise de fazer veículos resistentes e baratos permitem ao Brasil exportá-los com o rótulo de indestrutíveis em condições norte-americanas ou européias, e fazê-lo a preço reduzido e competitivo. Atualmente os automóveis brasileiros tem reconhecimento mundial como detentores de insuperada tecnologia de construção resistente e baixo preço. São exportados, referenciados por sua durabilidade, portam tecnologia exclusivamente local, como os motores 1.0 mais potentes do mundo e as soluções Flex-Fuel.

Enfim, o Museu

Apresentado, o Museu está numa das avenidas mais importantes do mundo, o Eixo Monumental, em Brasília, ao lado do Memorial JK. Sua área é de aproximados 1.800m2, sendo metade para a exposição de acervo próprio e de colecionadores; parte para eventos e exposições temáticas –
está em dias finais a mostra sobre os 100 Anos do Ford Modelo T; e a maior biblioteca especializada no país, com mais de 6.000 fontes de consulta sobre veículos e transporte.
Focado na preservação dos veículos que fizeram a revolução brasileira, contido pela falta de meios para ampliar acervo, o Museu do Automóvel tem fino foco e mira nos veículos emblemáticos do áureo período inicial da motorização brasileira.
Inicia a história com Fords Modelo T, os primeiros a ser montados no Brasil, e evolui para as décadas de ´50, ´60 e ´70, alinhando representantes das primeiras marcas: Willys, Vemag, Simca, FNM, sempre buscando exemplares referenciais ou que permitam exibir a evolução do produto com o passar do tempo. Bom exemplo são os sedãs Aero Willys: exemplar de 1962, último com carroceria idêntica ao original norte-americano contraposto a uma unidade 1963, criado com estilo nacional. Do FNM tem o TIMB, versão esportivizada, cara, rara, e da qual restaram apenas duas unidades. Na linha, de Simcas reuniu versão Rallye, de 1962, primeira tentativa de fazer modelo diferenciado da origem; logo em seguida um Simca Tufão, versão de maior sucesso da marca; e encerra com um GTX, transformação com equipamentos e decoração esportiva sobre a linha Esplanada, feita sobre os originais Simca e logo descontinuados.

Na prática museal, o esforço para localizar a história, dados, fotos, literatura, permitiu resgatar carros de pequena produção, raridades pouco conhecidas. Assim, interessantemente o Museu do Automóvel, Brasília, reúne a fina flor da pequena produção, como Willys Gávea, primeiro monoposto construído no Brasil para corridas sul americanas; o FNM Onça, esportivo construído em apenas 5 unidades sobre a plataforma do FNM 2.000; GT Malzoni, uma das 40 unidades produzidas para ser um DKW Vemag esportivo; um elegante Fissore, sedã de duas portas, também sobre o resistente Vemag. Expõe igualmente raro Brasinca GT 4200, revolucionário esportivo que, pela falta de motorização adequada, utilizava motor de caminhão Chevrolet, e sua mudança de perfil operacional, mais o chassi com tecnologia aeronáutica e soluções desenvolvidas em túnel de vento, permitiram atingir 200 km/h em 1964!
Pontualmente, o Alfa Romeo 2300 com o motor número 1; outros para exibir a evolução; Fiat 147 da primeira série; VW SP2; veículos com nomes femininos, participantes de exposição em homenagem ao Dia da Mulher: Alfas Giulietta e Giulia; Borgward Isabella; Mac Laren Julia – rara proposta carioca sobre plataforma de VW Passat; e o picape Chevrolet apelidado Marta Rocha. Representantes oficiais, o último Ford Landau utilizado pela Presidencia da República, e um Willys Itamaraty Executivo, limousine construída em 23 unidades, que prestou serviços ao Ministério das Relações Exteriores.
E exemplares únicos como picape Tempra, protótipo construído e doado pela Fiat; exemplar do Ka Stewart, pela Ford, para Jackie Stewart, então chefe de sua equipe de Fórmula 1.

Raridades, exclusividades

Segundo o Curador é difícil expressar a maior exclusividade do Museu, pois elas se dividem entre a reduzida quantidade produzida ou remanescente, ou seu peso específico na história automobilística do país.
Neste rótulo, inequivocamente inclui-se o Democrata, da Indústria Brasileira de Automóveis Presidente, iniciativa particular barrada pelo governo da Revolução. Fizeram quatro veículos, nunca vendidos, e o Museu resgatou a história e conseguiu um exemplar.

Entretanto, sob o aspecto de maior satisfação a um projeto de resgate, nos anos de esforços e desgastes para manter operando este equipamento cultural, em mostrar história a mais de 100 mil visitantes, o foco se direciona sobre salvar os Willys, a começar pelo único exemplar do esportivo Capeta,
do saqueado escombro do Museu Paulista de Antiguidades Mecânicas, em Caçapava, SP, onde se esboroavam pelo abandono e pelo furto de peças. Foram 11 anos de esforços e, finalmente, com a atuação firme do Marcos Oliveira, presidente da Ford, conseguimos salvá-los de um fim indigno.
E o pequeno e esforçado Museu do Automóvel, Brasília, conseguiu dar seqüência aos esforços do Roberto Lee, fundador do primeiro e agora abandonado museu nacional de veículos.

Em resumo, mantido com recursos privados, mas aberto à população, único dirigido à preservação da história do veículo nacional, o Museu do Automóvel cumpre sua parte no desafio brasiliense. Aqui é o único destes equipamentos culturais a resistir, impor-se, ter atuação institucional e conquistas legais que se espraiam por toda a atividade antigomobilística no país.
Abaixo a biblioteca, a maior e aberta ao público.
Museu Nacional do Automóvel, Brasília
SGON Quadra 1, no. 205
Tel. (61) 3225.3000 – fax (61) 3225.5511
e.mail curador@museudoautomovel.org.br
terça a domingo das 11h às 17h
Acervo de veículos raros, montados ou fabricados no Brasil – embora existam importados referenciais como esportivo Amilcar CS 1922; Cadillac Coupé de Ville 1954; Jaguar MK II e XJ 6L; jeep Ford GPW 1942; jipe VW 181 – Thing.

3 comentários:

walter ramos disse...

Lamente-se o fato !

Enquanto a burocracia dá vez a um arquivo morto de uma instituição morta , a memória viva de nossa história vai pra sabe-se lá onde.
Infelizmente , os ocupantes destes cargos , que não tem conhecimento da importancia de nossa evolução , documentada em varios aspectos , a industria como um de seus marcadores, qq que seja sua atividade , ignoraram por completo
aquilo que a tanto esforço e sacrificio de brasileiros abnegados
se mantem ativo.
Todo pais culturalmente emancipado, preserva sua história ou fatos dela relevantes.
Aqui , infelizmente isto é sistematicamente desprezado.
Quem saberá no futuro o inicio da atividade da industria automobilistica nacional? e seus exemplares?
Enfim, a s pessoas que lutam por manter esse espaço vivo, são dignas de louvor e de nosso apoio.

Walter

smarca disse...

Se fosse pelo menos para se fazer uma escola no lugar do museu, tudo bem, pois nada, nenhum carro antigo ou conjunto de carros antigos podem valer mais do que a educação de nossas crianças e jovens.

Mas arquivo morto ... é surrelista!

Não há como adquirir a propriedade onde está o museu, movimentando o país como um todo? Sim, pois a propriedade, independente de ideologias ou gostos específicos, é um bem de fato e de direito.

Se pudesse ser adquirido a situação poderia ser resolvida.

Dr. JMM disse...

Como pode um negócio desse? isso é porque a constituição diz que protege a cultura. imagina se nao protegesse?